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A Cultura de base para os Sistemas de Gestão

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Em momentos de grandes mudanças na sociedade e nas organizações, os aspectos culturais ganham cada vez mais relevância como base para a gestão para perpetuidade e sustentabilidade das organizações, como discutiremos neste artigo.

Sempre gostei de usar em meus treinamentos e consultoria uma forma de se ver os sistemas de gestão, emprestada da área de informática, como uma soma de “hardware, software e humanware”.

Os sistemas de gestão no modelo ISO nasceram no final da década de 70 se concentrando nos aspectos técnicos e organizacionais (“hardware e software”) dos temas a que se referiam, como no caso da qualidade (ISO 9001). Quando se falava de pessoas (“humanware”), a abordagem estava mais relacionada ao requisito de treinamento e qualificação destes funcionários.

Neste artigo veremos como os aspectos culturais foram sendo incorporados no modelo ISO de sistemas de gestão – SG.

CONSCIENTIZAÇÃO

A primeira norma de SG da ISO a avançar em aspectos comportamentais além do treinamento parece ser a ISO 14001 (1996), incorporando o requisito de estabelecer procedimentos que façam com que seus empregados ou membros estejam conscientes sobre a importância da conformidade com a política, procedimentos e requisitos do SG; impactos ambientais significativos e dos benefícios da melhoria de desempenho pessoal; suas funções e responsabilidades dentro do SG e das potenciais consequências de não cumprimento dos procedimentos. Tal avanço foi incorporado nas demais normas de SG.

A norma OHSAS 18001 (1999), por sua vez, incluiu o comportamento humano, capacidades e outros fatores humanos, ainda de forma limitada ao requisito de avaliação de riscos.

GESTÃO DA CULTURA ORGANIZACIONAL É NECESSÁRIA

Dentro do novo mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), veloz, global, bombardeado por informações e com grande diversidade cultural, as organizações precisam lidar cada vez mais com fatores intangíveis e aspectos complexos ligados a valores, crenças e comportamentos das pessoas, para sobreviver e serem sustentáveis, indo além da qualificação e conscientização pessoal.

Segundo a Crescimentum, o que forma uma cultura organizacional são as crenças (“por quê”) das pessoas e da organização, que junto com os valores (“o quê” é importante para elas), determina o “como” elas fazem, e o seu desempenho. Culturas fortes de organizações de sucesso, como o Google, demonstram a importância de gerenciar estes aspectos de forma estratégica, alinhada à missão, visão e valores da organização, e de sua implementação efetiva para obtenção de resultados como melhor desempenho, maior resiliência e maior dificuldade de imitação. Algumas pesquisas demostram o impacto da cultura organizacional em seu desempenho (ebook “Guia de Introdução à Cultura Organizacional” da Crescimentum:

  • McKinsey  – as empresas que têm uma cultura exemplar, estão situadas no quartil superior (de acordo com o Index de Saúde Organizacional) e dão um retorno 60% maior aos acionistas do que as empresas medianas e 200% maior do que as empresas colocadas no quartil inferior. Por outro lado, as empresas com uma cultura não saudável não respondem bem à mudança. 70% das tentativas de transformação organizacional fracassam e 70% desses fracassos se devem a fatores relacionados à cultura
  • Barrett Value Center (fonte: livro de Richard Barrett: “A Organização dirigida por valores”) – a lista composta pelas vinte maiores empresas cotadas em bolsa e listadas entre as melhores para se trabalhar nos EUA, em 2008, teriam retornado, em média, 16,74% versus 2,83%, ao ano, para o S&P 500, nos últimos dez anos.

Estes resultados estão alinhados aos obtidos pelas “empresas feitas para durar” que discutíamos nas décadas de 90 e 2000 (Epelbaum, 2004, p.10; 97-98, analisando o livro de 1995 de Collin & Porras “Feitas para durar: práticas bem sucedidas de empresas visionárias”) de que

  • “as empresas feitas para durar mantêm valores e uma ideologia que privilegiam outras razões de ser, além da busca do resultado econômico, e lucram mais do que as empresas de comparação” (p.10) e
  • “…a grande questão ambiental estratégica está associada à imagem e reputação. Para atingir tal objetivo, as empresas líderes deverão adotar uma visão de sustentabilidade no novo paradigma técnico-econômico, considerando a gestão sócio ambiental como valor da empresa, não mais somente como uma pressão externa que gere ações internas reativas (Collin; Porras, 1996). Neste sentido, devem desenvolver uma cultura que permeia todas as unidades de negócio, disseminando e valorizando este valor, e transformando-os em estruturas, projetos e ações consistentes” (p.97-98).

Estes fatos também remetem às discussões sobre valores superiores obtidos pelas ações das empresas mais sustentáveis (que estão nos índices de sustentabilidade, como o Dow Jones Sustainability Index americano ou o FTSE-Good inglês). Talvez estejamos falando da mesma origem, mas a cultura organizacional proativa parece ser mais abrangente e de base.

Notamos também que a preocupação com a gestão de aspectos da cultura organizacional foi incorporada/reforçada nas versões mais atualizadas de alguns modelos de gestão, como:

modelo de excelência europeu (EFQM Model, lançado em outubro/2019);

modelo de gestão de riscos empresariais do COSO em 2017

CULTURA NO MUNDO ISO

Há alguns anos, as normas de SGs passaram a adotar uma estrutura de alto nível comum a todas, que incluiu:

Requisito de contexto da organização, o qual inclui a consideração de questões culturais além das técnicas, legais, de mercado e outras envolvidas no planejamento organizacional mais estratégico.

Requisito de determinação e consideração das necessidades e expectativas das partes interessadas, importante pano de fundo e prática que ajudam a moldar uma cultura de sustentabilidade e perpetuidade

Mentalidade de riscos, que agrega valor ao caldo cultural das organizações para sobreviverem e buscarem a perenidade dentro de um mundo VUCA.

Mas talvez a primeira norma da ISO a abordar a cultura organizacional de forma mais abrangente tenha sido a ISO 26000:2010 – Diretrizes de Responsabilidade Social, em vários de seus elementos (não à toa, a conexão entre responsabilidade social/sustentabilidade e cultura é bastante forte).

A ISO 19600:2014 (Sistema de Gestão de Compliance – Diretrizes), por sua vez, adotou um requisito específico que inclui o desenvolvimento de uma cultura de compliance, exemplos de fatores que irão apoiá-la e resultados que possam evidenciar o seu alcance. Além disto, esta norma aborda o comportamento em um requisito específico que inclui que “o comportamento que cria e apoia o compliance seja incentivado e que o comporta­mento que compromete o compliance não seja tolerado”. Além disto, ressalta as responsabilidades-chave da Alta direção para incentivar o compliance.

Vale ressaltar que as duas normas citadas acima não são normas de requisitos (e a ISO 26000 não é uma norma de SG). Quanto às normas de SGs, referenciamos as mais recentes Normas ISO 37001:2016 (Antissuborno) e ISO 45001:2018 (Saúde Ocupacional e Segurança), que inseriram requisitos de cultura como parte da liderança e comprometimento. A ISO 45001 ainda considerou requisitos de promoção da cultura dentro do item de melhoria contínua (além do item de avaliação de riscos, já considerado anteriormente na OHSAS 18001). Algumas delas, como a ISO 50001:2018 (Energia) e a ISO 45001 incluíram em seus preâmbulos a importância da cultura para o SG.

Atualmente está em discussão na ISO a norma de SG de requisitos que talvez seja a mais elaborada quanto a cultura organizacional: a  futura ISO 37301 – Sistemas de Gestão de Compliance – Requisitos com guia para uso, com previsão para publicação ao final de 2020. O seu segundo rascunho do Comitê (CD2), baseado  amplamente na ISO 19600 e parcialmente na ISO 37001, já incorpora a definição de Cultura de compliance:

valores, ética e crenças que existem através da organização e interagem com a estrutura e sistema de controle desta organização para produzir normas de comportamento que são contribuintes para resultados de compliance.

Além disto, introduz um subitem de liderança e comprometimento requerendo

  • o desenvolvimento, manutenção e promoção de uma cultura de compliance,
  • a demonstração do comprometimento pelo órgão diretivo e alta direção,
  • o encorajamento para que “um comportamento que cria e apoia o compliance seja incentivado e que o comporta­mento que compromete o compliance não seja tolerado” (este último tópico de forma idêntica ao da ISO 19600).

Vale a pena notar a abordagem da cultura organizacional e seu alinhamento à sua missão, visão e valores trazida pela revisão 2019 da Norma ISO 9004 (Gestão da qualidade — Qualidade de uma organização — Orientação para alcançar o sucesso sustentado), inclusive no seu modelo de maturidade.

Além disto, verifica-se uma iniciativa da ISO (TC 176), baseada em proposta chinesa, de elaborar uma norma orientativa sobre como implantar e manter uma cultura de qualidade – a ISO/AWI 10010 – “Quality management — Guidance to evaluate and improve quality culture to drive sustained succes”. Tal norma está em estágio inicial, sendo registrado o novo projeto em 05/08/19. (post – DIA MUNDIAL DA QUALIDADE 2019).

CONCLUSÃO

A cultura vem se tornando um fator de base de crescente importância para a gestão das organizações, tendo em vista as profundas e velozes mudanças na sociedade.

Mudar a cultura de uma organização não é um processo rápido ou simples, mas deve ser abordado com profundidade para obter resultados empresariais como desempenho financeiro, satisfação das partes interessadas, prevenção de riscos e lesões, integridade, evolução organizacional, empoderamento dos colaboradores.

Percebemos que estes aspectos culturais são tratados ainda superficialmente nas normas de SGs da ISO, com evolução nos últimos anos (p.ex. ISO 19600, ISO 45001 e futura ISO 37301), como verificado no breve histórico aqui relatado. Mas considerando os seus impactos no sucesso e sustentabilidade empresarial e das organizações, os aspectos culturais e comportamentais deveriam ser estendidos de forma mais abrangente para todas as normas de SGs.

Creio que a consideração cuidadosa da cultura como base dos SGs, representará uma potente alavancagem de resultados, agilidade e resiliência das organizações, em direção à sua sustentabilidade e perpetuidade – “feitas para durar”.

Michel Epelbaum – Diretor da Ellux Consultoria

Diretor da Ellux Consultoria. Tem mais de 25 anos de experiência nacional e internacional em gestão de sustentabilidade, qualidade, meio ambiente, saúde ocupacional e segurança, e compliance.  É membro dos Comitês Técnicos da ABNT de Gestão Ambiental, Antissuborno, Riscos, Governança, Responsabilidade Social e Energia. É Lead Assessor nas normas ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001, ISO 45001, ISO 19600 e ISO 37001.

Consulte nossos serviços de  ConsultoriaTreinamento e Auditoria em Sistemas de Gestão, inclusive nas Normas  ISO 45001 , ISO 14001 e ISO 9001, ISO 26000.

Saiba mais em nossos posts relacionados!

A ISO 45001 e a Transição da OHSAS 18001: Estatísticas de Certificações

Estatísticas de Certificações ISO – 2018 para Normas de Sistemas de Gestão

Dia Mundial da Qualidade 2019

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