Depois de algumas experiências com a atualização de sistemas de gestão na versão 2015 das normas ISO 9001 e ISO 14001 (e outras normas), já lastreada no novo modelo de normas de Sistemas de Gestão – SG da ISO (HLS – High Level Structure), discuto alguns pontos a seguir que podem ser úteis para a reflexão e o processo de evolução de quem está fazendo este mesmo trabalho.
Liderança
O envolvimento da Alta Direção continua a ser um ponto crítico, o que sabemos desde sempre, e para todos os sistemas de gestão.
Como vocês devem saber, o RD (Representante da Direção) não é mais mencionado/requerido na norma. E isto foi definido propositadamente, buscando o reforço da liderança e comprometimento da Alta Direção e da gestão de linha. Porque em vários casos o Sistema de Gestão acabou se tornando o SG do RD. É muito usual, em várias organizações, a concentração no RD da gestão do tema (qualidade, meio ambiente, etc.), e a Alta Direção (e também a média gestão) ficar mais distante, inclusive nas auditorias.
Esta situação acabou sendo reconhecida pela ISO e pelos profissionais envolvidos na definição do modelo do HLS, através das experiências e de dados de pesquisas. Neste sentido, o que se espera na nova versão é uma maior integração da gestão do tema nos processos de negócios, nos ciclos de gestão e nas decisões tomadas, buscando maior valor agregado. Independentemente de se manter ou não um RD (que pode ser ou não o gestor do tema em questão)…
Contexto da Organização
Este importante item, novidade do modelo atual de sistema de gestão da ISO (com exceção da ISO automotiva TS 16949, ora IATF 16949, onde o plano de negócio já era um requisito, que abrange parte deste novo tópico), busca captar o contexto estratégico, para identificar as questões internas e externas pertinentes ao tema específico, e estabelecer a conexão dos riscos/tópicos do tema específico com a gestão estratégica, também possibilitando a visualização do seu valor. Esta conexão, se não praticada no ciclo anual de gestão, acaba conferindo ao sistema de gestão um aspecto muito operacional. Lembrando que a gestão contempla a estratégia, o tático e o operacional…
Também neste tópico, o envolvimento da Alta Direção é fator crítico de sucesso para esta evolução do SG. Não faz sentido o nível funcional (o gestor de qualidade, gestor de meio ambiente, segurança, energia, etc.) querer fazer o papel estratégico de responsabilidade da Alta Direção. Não adianta o fígado assumir o papel do coração, o cérebro da pele, etc. É importante que o gestor/RD do tema em questão (qualidade, meio ambiente, etc.) participe da parte pertinente do processo de planejamento estratégico. Seria uma perda de eficácia este mesmo gestor elaborar sozinho as questões internas e externas, para que a Alta Direção a valide. Principalmente no que tange às questões financeiras, econômicas e do negócio… (o contrário é mais eficaz: a Alta direção fazer o seu papel, e o gestor do tema/RD validar e complementar pontos em seu nível de atuação).
Outro item novo da norma merece atenção: a determinação das partes interessadas, suas necessidades e expectativas. É o capítulo mais recente de uma disputa filosófica (e prática) de décadas entre a Teoria tradicional da Firma e a Teoria dos Stakeholders (a missão da empresa de gerar lucros para os acionistas x a missão de gerar valor às partes interessadas incluindo os acionistas). E agora se consolidou como item obrigatório para todos os sistemas de gestão. Este processo de entendimento, comunicação e gestão de questões com as partes interessadas sempre fez parte do DNA da responsabilidade social e sustentabilidade (incluindo a área ambiental). É um processo de raciocínio estratégico, com desdobramentos para a gestão tática e operacional. Não se trata somente de elaborar uma matriz para atender a uma auditoria, mas de definir a razão social da empresa, e de buscar a “licença para operar” da organização perante os seus “stakeholders”, e abraçando todo o contexto estratégico desta decisão e seus desdobramentos.
Gestão por processos
O conceito de gestão por processos evoluiu ao longo das últimas décadas, desde a melhoria dos processos associada à gestão de qualidade e produtividade, passando pela Reengenharia de Processos (da década de 90) e a evolução para o BPM (Bussiness Process Management) a partir dos anos 2000…. Mesmo tendo sido adotado pela Norma ISO 9001 em sua versão de 2000, a evolução da estrutura para desenho, modelagem, análise, gestão de desempenho e transformação/ melhoria dos processos (em busca da eficácia) não é fácil…. E ainda deve se falar da revolução da indústria 4.0 e a digitalização e automação dos processos…
O aumento de foco nos resultados e a simplificação na documentação que a nova versão prega é mais um passo do movimento histórico que veio desde 2000, suplantando a visão inicial de padronização e procedimentos (lembra-se do: “escreva o que você faz, faça o que está escrito”?) das primeiras versões desde a década de 80, que acabou criando sistemas mais “pesados” (claro que, dependendo da visão de quem implanta, isso ocorreu mais ou menos).
“Em time que está ganhando não se mexe…” A resistência à mudança existe e é compreensível: o esforço de simplificação e análise/melhoria dos processos deve ser feito neste momento? Neste momento em que corremos para completar a migração? Vamos deixar para fazer ao longo dos anos… Já ouviram isso? Com a sobrecarga usual, na prática vamos fazendo o que dá… E a transformação vai aos poucos… Já nas empresas que estão implantando pela primeira vez o SG, parece mais natural e com menos esforço já construir o modelo de gestão baseado nos processos. E isso é apoiado pela digitalização em plena Revolução 4.0, onde a automação e informatização dos processos é crescente…
Tudo o que comentamos é mais crítico para a Norma ISO 14001, onde esta cultura de gestão de processos é menos evoluída.
Como comentado na edição brasileira do BPM CBOK Versão 3.0, BPM é uma cultura, é meio e não fim, e foi reconhecido que ainda existem ilhas de processos robustos nas organizações em, meio a outras regiões de processos e conhecimentos menos evoluídos…
Informação documentada
Como visto no item anterior, a norma prega a simplificação da documentação, com mais ênfase no resultado e tirando um pouco o rigor/peso da documentação. A documentação necessária deve ser determinada pela própria organização, com base em sua complexidade, tamanho, competência, etc.., como declarado nas normas de SG. Na verdade, esta avaliação e decisão quanto ao tamanho/complexidade da documentação sempre esteve a cargo da organização, ela sempre teve o poder de dosar isso. Mas não era a visão geral, e o excesso de zelo e a jurisprudência acabaram ajudando a dar uma densidade excessiva aos SGs.
Pelo mesmo argumento já discutido no item de processos, especulo que a onda de transformação que o novo modelo traz acabará ocorrendo ao longo do tempo, e a migração será somente o primeiro passo nesta direção. É natural a preocupação em garantir a recertificação… Depois disso, vamos aos poucos simplificando…
Neste sentido, a digitalização dos dados, a gestão na nuvem, os ERPs, o big data e as várias opções tecnológicas para gestão de processos, contribuem para este processo, mas demandam uma análise cuidadosa para não haver exageros no sentido contrário: “vamos eliminar tudo o que puder, pois agora podemos fazer simples…”, e enfraquecer os processos e os controles.
Espero que estas simples reflexões possam ajudar com a evolução do pensamento e das práticas sobre a implementação das novas versões dos SGs, como a ISO 9001/14001, mas não somente, ampliando para as normas de SG que estão sendo publicadas aos poucos nesta década, dentre as quais as principais:
as adultas ISO 27001 (segurança da informação), ISO 19600 (compliance) e ISO 55001 (ativos);
as adolescentes ISO 9001 (qualidade) e ISO 14001 (meio ambiente);
a menina ISO 37001 (antissuborno),
a “recém nascida” ISO 45001 (saúde ocupacional e segurança),
as esperadas ISO 50001 (energia), ISO 41001 (Facilities) e ISO 50501 (inovação).
No próximo post continuo com a discussão sobre a adaptação ao novo modelo de SG, com os tópicos seguintes das normas.
Michel Epelbaum – Diretor da Ellux Consultoria
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