Para nós que atuamos na área de sustentabilidade desde o outro milênio (pode me chamar de um jovem sênior), a questão “a gestão de meio ambiente (e de saúde ocupacional e segurança, e de responsabilidade social) agrega valor às empresas?” sempre permeou nossos pensamentos, palavras, ações e comportamentos.
Desde a década de 90, há estudos sobre esta relação. Em minha dissertação de mestrado de 2004, faço uma análise da influência da gestão ambiental na competitividade e no sucesso empresarial, dos quais ressalto alguns estudos e análises da época:
- Environmental performance and shareholder value. 1997.
- Buried treasure: uncovering the bussiness case for corporate sustainability. SUSTAINABILITY; UNEP.
- Criando valor: o bussiness case para sustentabilidade em mercados emergentes. SUSTAINABILITY; IFC; ETHOS.
- Green and competitive: ending the stalemate. PORTER, M. E.; Linde, C. Harvard Bussiness Review, Boston.
- Best practice environmental management: analysis of key practices uncovering hidden value potential for strategic investors. 2002.
Na semana passada, participei de um grande evento de investimentos, e me surpreendi com o destaque dado aos chamados investimentos com critérios sociais e ambientais (já teve vários nomes, como investimentos Socialmente Responsáveis, investimentos sustentáveis), nomeado no evento como ESG – Environmental, Social and Governance, com a agregação da preocupação com a governança corporativa.
Decidi explorar neste artigo como eles evoluíram com o tempo. Cresceram? Amadureceram?
PRIMÓRDIOS DOS INVESTIMENTOS ESG
Os investimentos sócio ambientalmente responsáveis são conhecidos há décadas, desde o primeiro em 1971 (Pax World – PAXWX – para distinguir empresas que contribuíam para a Guerra do Vietnã. Existe até hoje) como pode ser verificado nas referências acima, e vem crescendo progressivamente, organicamente. Em 1994, eles eram 26 fundos, com ativos em torno de US$ 1,9 bilhões (veja a linha do tempo destes fundos). O crescimento e amadurecimento destes investimentos veio mediante diversos fatores, como:
- Grandes acidentes industriais e grandes contaminações ocorridos desde a década de 50 em diante, como o da Baía de Minamata (Japão), contaminação por organoclorados (p.ex. narrados no livro “Primavera Silenciosa”), Three Mile Island (EUA), Seveso (Itália), Bhopal (índia), Chernobyl (URSS) e do Exxon Valdez (EUA), dentre outros, que colocaram o setor privado (principalmente industrial) sob os holofotes como “vilão ambiental”;
- Crescimento da preocupação com o aquecimento global, passando pelo Protocolo de Kyoto na década de 90;
- Crescimento e amadurecimento da responsabilidade social, diante de tantos e diversificados problemas como os trabalhistas, de direitos humanos, de imigração, pobreza, doenças e outros;
- Protagonismo da ONU através das Metas do Milênio e Global Compact e, mais recentemente, Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável;
- Realização da Eco-92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cúpula da Terra), maior reunião de chefes de Estado até este momento;
- Mudança geracional, onde os nascidos a partir da década de 90 (geração Z e seguintes) já tem esta preocupação com a sustentabilidade mais arraigada;
- Maior transparência das ações e inações, através da universalização da internet e do jornalismo online;
- Grande desenvolvimento do capitalismo financeiro e do papel das bolsas de valores para as empresas e investidores;
- Evolução da Teoria dos Stakeholders e da “razão social” das organizações, e do GRC – governança corporativa, riscos e compliance/ética.
QUAIS SÃO OS OBJETIVOS DOS INVESTIMENTOS ESG?
A MSCI, importante provedora global de índices (p.ex. de ações globais e regionais) identificou três objetivos comuns entre investidores que consideram o uso de uma estratégia ESG:
- Integração ESG: incorporar fatores ESG na análise dos ativos visando compor um portfólio resiliente e sustentável, melhorando sua relação risco-retorno de longo prazo.
- Valores: alinhar os investimentos com os valores éticos do investidor.
- Impacto: buscar investimentos que geram impactos sociais ou ambientais positivos, que por vezes são colocados à frente do retorno financeiro.
QUAIS OS PRINCIPAIS ASSUNTOS ALVOS DOS INVESTIMENTOS ESG?
Baseado em questionários de índices de sustentabilidade/ESG de bolsas de valores, como ISE e outros, podem ser listados os principais temas de preocupação dos investidores:
Geral/gestão/estratégico
- Posicionamento estratégico ESG
- Cultura ESG
- Critérios ESG para engajamento de colaboradores
- Critérios ESG na cadeia de valor e para as partes interessadas
- Geração de valor compartilhado
- Transparência
- Gestão baseada em boas práticas
Ambientais
- Mudança climática e emissão de carbono
- Uso de recursos naturais
- Poluição e resíduos
- Responsabilidade sobre o produto e com o consumidor, incluindo produtos de reduzido impacto ambiental
- Oportunidades em negócios “verdes” e “limpos”
- Riscos ambientais
- Cumprimento da legislação
Sociais
- Saúde, segurança, diversidade e desenvolvimento de colaboradores
- Impactos sociais e em direitos humanos na cadeia de valor
- Responsabilidade sobre o produto e com o consumidor, incluindo produtos de reduzido impacto social
- Relação com as partes interessadas
- Investimento social privado
- Riscos sociais
- Oportunidades Sociais
- Cumprimento da legislação
Governança
- Direitos dos acionistas (incluindo os minoritários)
- Composição e estrutura do Conselho de Administração (independência e diversidade), incluindo o seu envolvimento com os temas ESG
- Funcionamento adequado da auditoria e fiscalização
- Política de remuneração da diretoria
- Prestação de contas da Alta Direção e do Conselho de Administração
- Gestão de Riscos e externalidades
- Ética empresarial, compliance e gestão de conflito de interesse
- Cumprimento da legislação
QUAIS SÃO OS TIPOS DE INVESTIMENTOS ESG
A XP referencia os 7 tipos de estratégias de investimento relacionados pela Global Sustainable Investment Alliance (GSIA), fórum internacional que reúne informações das principais organizações de investimentos sustentáveis do mundo:
- Filtro negativo: exclusão de investimentos que não cumprem requisitos mínimos alinhados aos valores do investidor ou com alto risco ambiental ou social (p.ex. empresas com produtos militares e de fumo, envolvidas em escândalos de corrupção ou em grandes acidentes, como o da Vale em Minas Gerais).
- Filtro positivo (best-in-class): preferência por empresas que se destacam em fatores ESG quando comparadas a seus pares.
- Filtro baseado em normas: empresas com práticas recomendadas por organizações internacionais como ONU (p.ex. Global Compact, Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), OCDE (p.ex. Convenção Anticorrupção), UNICEF, ISO (p.ex. as normas ISO 14001, ISO 45001, ISO 26000, ISO 19600, ISO 37001, a futura ISO 37301 e ISO 37000).
- Integração ESG: inclui fatores ambientais, sociais e de governança nas análises financeiras.
- Investimento temático em sustentabilidade: empresas especificamente relacionadas à sustentabilidade ambiental (por exemplo, energia limpa, tecnologia verde ou agricultura sustentável).
- Investimento de impacto (ou na comunidade): buscam investimentos que têm como alvo a solução de problemas sociais ou ambientais, onde o capital é direcionado a indivíduos ou comunidades não atendidas.
- Engajamento corporativo: utilização da participação acionária para influenciar a estratégia da empresa em relação a políticas ESG.
A GSIA publica a cada dois anos um relatório com as informações sobre investimentos sustentáveis na Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Em seu último levantamento bianual (GSIR, 2018), ela identificou a distribuição dos investimentos ESG segundo estes tipos:
- O maior investimento é para organizações/pessoas/países que não passaram no filtro negativo, seguido daquelas que buscam a integração ESG e engajamento corporativo;
- O filtro negativo é predominante na Europa, enquanto que a integração ESG é mais comum nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e o engajamento corporativo é a estratégia mais usada no Japão;
- Os países que tem maior percentual de investimentos ESG sobre o total de ativos gerenciados profissionalmente são a Austrália e a Nova Zelândia (63%);
- Os temas “Metas do Desenvolvimento Sustentável” da ONU, combate às mudanças climáticas e responder a desafios ambientais estiveram presentes nos investimentos ESG das 5 regiões abrangidas pelo estudo;
- Em relação aos ativos, mais da metade é em ações (51%), seguido por renda fixa (36%).
QUAIS SÃO OS MONTANTES ENVOLVIDOS, E EM QUE REGIÃO DO PLANETA?
O mesmo relatório GSIR da GSIA estimou que o tamanho do mercado global de investimentos sustentáveis é de US$ 30,7 trilhões, o que representou um crescimento de 34% em relação ao número de 2016. Desse total, os principais mercados são o europeu, com 46%, e o dos EUA, com 39%, seguidos do Japão, com 7%.
Dados da Morningstar compilados pelo Morgan Stanley em um estudo de 2019 mostram que nos EUA existiam 281 fundos de investimento com foco em ESG, um crescimento de 144% no número de fundos desde 2004. Outro estudo, de Jon Hale, Ph.D., CFA, também da Morningstar, mostra que o número de fundos sustentáveis nos EUA era de 279 em meados de 2019, além de outros 247 fundos que incluem filtros ESG em suas análises.
No Brasil, o tema é mais recente e ainda possui muito poucos adeptos e pequeno montante de ativos com critérios ESG, apesar de ter um índice de Sustentabilidade Empresarial na B3.
INVESTIR EM EMPRESAS ESG VALE A PENA FRENTE A ÍNDICES DE EMPRESAS TRADICIONAIS?
A discussão permanece sobre se os investimentos com critérios ESG resultam em performance melhor ou pior do que investimentos sem estes filtros. Desde a década de 2000, alguns estudos demonstraram que esta correlação é positiva (veja os estudos citados na introdução deste artigo). Novos estudos reforçam esta tese:
-
- estudo, feito em 2015 compilou o resultado de mais de 2000 estudos feitos desde os anos 1970 sobre e ESG e performance, mostrando que:
- Quase 90% deles mostrou que as empresas ESG não têm uma relação negativa com o desempenho financeiro das organizações.
- A grande maioria dos estudos analisados tem relação positiva entre as práticas ESG e as performances das empresas.
- Em 2019, o Morgan Stanley realizou um estudo comparando os retornos de fundos sustentáveis com fundos tradicionais, do período de 2004 a 2018. A conclusão foi de que os retornos dos fundos ESG estiveram em linha com os dos fundos tradicionais, oferecendo menor volatilidade.
- A BlackRock, uma das maiores gerenciadora de ativos do mundo declarou que os investimentos sustentáveis tiveram melhor desempenho do que as opções tradicionais no primeiro trimestre de 2020.
- No Brasil, os fundos ESG ainda estão em amadurecimento, assim como o próprio mercado acionário, que ainda é pequeno comparado aos países desenvolvidos. Acidentes como o da Vale em Mariana e Brumadinho (MG), e o escândalo de corrupção da Petrobras, acenderam o “alerta vermelho” sobre a composição do ISE e o efetivo estado de maturidade deste tipo de aplicação no país (as duas ações estavam no ISE, e ambas foram retiradas após estes episódios). Apesar disto, estudo da MSCI citado pela XP mostra que o retorno do MSCI Brazil ESG Leaders Index, índice criado pela MSCI em 2007, composto pelas companhias com as melhores práticas ESG do país, foi significativamente maior do que MSCI Brazil desde seu início. Além disso, nos últimos 12 anos, o índice ESG superou o tradicional 8 vezes.
- estudo, feito em 2015 compilou o resultado de mais de 2000 estudos feitos desde os anos 1970 sobre e ESG e performance, mostrando que:
CONCLUSÃO
50 anos após o primeiro fundo de investimentos com critérios socioambientais, percebemos um cenário global que tornou a responsabilidade econômica, social e ambiental das organizações uma necessidade premente, com riscos de perda de reputação (o que significa possibilidade de perda de clientes/consumidores e outras consequências) e redução de procura por investidores e financiadores. Também representa risco de perda da “licença para operar” por parte da sociedade/comunidade e órgãos reguladores.
Em um momento de mudança geracional, aquecimento global pelo homem cientificamente validado, mundo online com rapidez de disseminação de notícias negativas (e positivas), impactos sociais e ambientais cada vez mais “no meu quintal”, as organizações tem de, não somente “fazer a sua parte” e demonstrar isso, mas tem de “ter ESG no DNA”: em sua estratégia, valores, cultura e operação. No mundo dos investimentos, estas tendências e necessidades estão amadurecendo um mercado que passa a rejeitar aquelas organizações/países que não são “ESG” e premiam aquelas que o são.
É muito bom ter vivido desde a década de 80 na área ambiental e de sustentabilidade para ver este movimento!! Construído passo a passo, tijolo a tijolo, que evolui, por vezes tem refluxos, amadurece, aprende. Sabemos que continuamos com este desafio gigante em direção à sustentabilidade e à evolução da consciência.
É muito bom poder contribuir para a gestão das organizações para evitar riscos ambientais, sociais, de corrupção, e para alimentar uma cultura proativa e preventiva.
Quero estar vivo para ver “the turning point”!
Michel Epelbaum – Diretor da Ellux Consultoria
Diretor da Ellux Consultoria. Tem mais de 25 anos de experiência nacional e internacional em gestão de sustentabilidade, qualidade, meio ambiente, saúde ocupacional e segurança, e compliance. É membro dos Comitês Técnicos da ABNT de Gestão Ambiental, Antissuborno, Riscos, Governança, Responsabilidade Social e Energia. É Lead Assessor nas normas ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001, ISO 45001, ISO 19600 e ISO 37001.
Consulte nossos serviços de Consultoria, Treinamento e Auditoria em Sistemas de Gestão, inclusive nas Normas ISO 31000, ISO 14001, ISO 9001, ISO 37001, futura ISO 37301,ISO 19600, ISO 45001, OHSAS 18001, ISO 26000 e ISO 50001.