Foi publicada a atualização do Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional – IPC referente aos dados de 2020. Este é o índice mais usado no mundo, para subsidiar o processo de avaliação due-diligence de fornecedores e parceiros de negócios, e nas tomadas de decisões de investimentos/ desinvestimentos e projetos transnacionais, inclusive na gestão anticorrupção no setor privado.
Segundo o relatório, o IPC 2020 revela que a maioria dos países progrediu pouco ou nada em quase uma década, e mais de dois terços dos países obtiveram uma pontuação abaixo de 50, em uma escala cujo máximo é 100 pontos (o país com melhor índice, a Dinamarca, recebeu 88 pontos).
Como não poderia deixar de ser, o relatório emitido em 2021 correlaciona o IPC com a pandemia do COVID-19. Segundo o documento, em 2020, as atenções se voltaram para o enfrentamento da crise com medidas emergenciais que aumentaram os riscos e casos de corrupção no mundo inteiro, relativos a testes de COVID-19, tratamentos e a outros serviços de saúde, aquisição pública de suprimentos médicos, e preparação para emergências. Foi apresentado um interessante gráfico mostrando que um menor investimento em saúde pública tem correlação com níveis maiores de corrupção.
O relatório também salienta que a corrupção continua a contribuir para retrocessos na democracia durante a pandemia de COVID-19: países com níveis maiores de corrupção empregam respostas menos democráticas à crise. Chama a atenção o caso dos Estados Unidos: com 67 pontos, o país alcançou sua pior posição no IPC desde 2012. A contestação do governo sobre a fiscalização do maior pacote de estímulo de sua história frente à COVID-19, (US$1 trilhão) causou graves preocupações com relação aos esforços anticorrupção e marcou um retrocesso significativo em relação a antigas e duradouras normas democráticas e de transparência no governo.
Nos últimos oito anos (desde 2012, quando a metodologia do IPC mudou para a atual), apenas 26 países mostraram melhoria significativa em sua pontuação do IPC, como a Grécia, Myanmar e Equador. No mesmo período, 22 países tiveram significativa queda em suas notas, como o Líbano, Malaui e Bósnia-Herzegovina. Nos 132 países restantes, os níveis de corrupção sofreram pouca ou nenhuma alteração, segundo o documento.
A pontuação média dos 180 países participantes do índice se manteve em 43 pontos. As nações que obtiveram as maiores pontuações foram Dinamarca e Nova Zelândia, ambas com pontuação de 88, seguidas por Finlândia, Singapura, Suécia e Suíça, cada uma com 85 pontos. Os países que registraram as menores notas foram Sudão do Sul e Somália, cada um com 12 pontos, seguidos por Síria (14), Iêmen (15) e Venezuela (15)..
A média das Américas, uma das regiões mais afetadas pela pandemia, foi de 43 pontos pelo quinto ano consecutivo (mas com grandes disparidades, desde o Canadá com 77 pontos até a Venezuela com 15 pontos), e apresentou casos de corrupção e má gestão de verbas.
Junto ao relatório principal do IPC, foi publicado também o relatório Retrospectiva Brasil 2020, sinalizando que o ano de 2020 foi de poucos avanços e muitos retrocessos na luta contra a corrupção, tais como a crescente ingerência política sobre órgãos como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal; o uso de estruturas do estado para benefícios pessoais de uma elite política; o desmantelamento das forças-tarefa Lava Jato e Greenfield; e os inúmeros casos de corrupção consequentes da flexibilização das regras de contratações para poder responder às despesas de emergência diante da pandemia. Segundo o relatório, estes episódios de corrupção no Brasil literalmente “tiraram o oxigênio das pessoas”.
O Brasil contabilizou ruins 38 pontos no IPC, nível igual ao de 2019 considerando a margem de erro da pesquisa, número menor do que a média mundial, das Américas/Caribe e dos BRICS. Apesar disso, subiu do 106º lugar em 2019 para a 94ª posição em 2020, num ranking de 180 países e territórios. Mas os números não demonstram evolução, como já referido neste artigo.
A tarefa é hercúlea, para todos os atores da sociedade. O avanço deve ocorrer nos valores, cultura, comprometimento e conscientização, assim como na legislação/ controles/ investigação/ punição anticorrupção.
Novos instrumentos que se mostrem efetivos são bem-vindos, como a ISO 37001. A adoção de padrões internacionais sempre é interessante para harmonizar as boas práticas entre os países, mesmo que o ritmo de adoção seja mais lento nos países em desenvolvimento ou de baixo IPC. E estamos próximos da publicação da ISO 37301 – Sistemas de gestão de compliance – Requisitos com orientações para uso, norma certificável que deve substituir a ISO 19600 como referência para este tema.
Vale reforçar a correlação entre o IPC e as certificações ISO 37001, como apontei em artigo anterior e como analisado pelo professor Rogério Meira: os países mais interessados até o momento na ISO 37001 (pelos dados da ISO Survey, referentes a dezembro/18) são aqueles no “meio da tabela” do IPC, havendo uma baixa adesão à certificação ISO 37001 entre os líderes de pontuação do IPC. Mas em 2019 já aparecem “no retrovisor” dos líderes em certificações a Coréia do Sul e a Espanha, em 33º e 32º lugares, respectivamente.
Diante de tantos casos e escândalos novos, a necessidade e a importância crescem continuamente. E demanda esforços de evolução da gestão e da mentalidade! Há motivos para esperança: as novas gerações parecem já vir com este DNA, e percebo no dia a dia a incorporação progressiva da gestão de compliance nas organizações.
Que a ética, integridade e propósito se fortaleçam, endureçam o combate aos atos ilícitos e a seus praticantes, e amoleçam nossos corações!
Michel Epelbaum – Diretor da Ellux Consultoria
Diretor da Ellux Consultoria. Tem mais de 25 anos de experiência nacional e internacional em gestão de sustentabilidade, qualidade, meio ambiente, saúde ocupacional e segurança, e compliance. É membro dos Comitês Técnicos da ABNT de Gestão Ambiental, Antissuborno, Riscos, Governança, Responsabilidade Social e Energia. É Lead Assessor nas normas ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001, ISO 45001, ISO 19600 e ISO 37001.
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